domingo, 15 de junho de 2008

Multidões

A capacidade de mobilizar multidões é para mim os dos mais fascinantes fenómenos Sociais da Sociedade Moderna. A união revela uma força extraordinariamente superior à soma das vontades individuais. Deter a destreza e a habilidade de o conseguir é dominar o poder da liderança de opinião e dos desígnios humanos.
Cada vez mais os fenómenos sociais de massas são fruto, numa primeira instância, de fortes raízes culturais mas também e em grande parte de um trabalho complexo, estrategicamente planeado e na maioria das vezes bem conseguido de acção motivacional que na maior parte das vezes nos transcende no que ao racional respeita.
O conceito de mass marketing, que por uma questão de formação académica me é particularmente familiar, em nada é alheio ao anteriormente descrito. Pelo contrário, reflecte uma atitude intencional e reflectida de intervenção psicosocial, tendo em vista o despertar de motivações e o gerar de comportamentos.
Senão vejamos o exemplo de fenómenos recentes que não tendo movido montanhas suscitaram o poder de nos fazer caminhar até elas...

O Rock In Rio tornou-se num evento cultural de referência no nosso país. Mais do que a identificação com um cabeça de cartaz sonante, moveu-nos a noção de pertença ao grupo dos que marcaram presença. Porque valeu efectivamente a pena estar presente no meio da multidão e poder respirar o som, o espaço, o ambiente de festa que se viveu porque alguém pensou em criar as condições para que assim fosse. Tive o enorme prazer de o poder fazer no dia de abertura e no dia do fecho. Valeu a pena em primeira instância e acima de tudo pelo prazer de poder estar e partilhar o momento com as pessoas de quem gosto. Valeu em segunda instância pelo prazer de poder parar no tempo e olhar fascinado para a multidão que vibrava em uníssono, movida pelos acordes de uma música que tocava muito para além do audível. E só depois vêem os concertos, o verdadeiro pretexto da presença que muitas vezes foi relegado para segundo plano (o plano da cerveja falou particularmente mais alto ao final da segunda música de Ivete). Ainda assim foi interessante ver o estado de degradação em que se pode actuar perante uma multidão (a minha t-shirt I saw Amy Winehouse sober não podia estar mais longe da verdade). Foi de igual modo interessante assistir a um energético Lenny Krevitz. Ao ritmo contagiante dos Orishas (pena que não estivessem perante o seu público alvo). Ao som portentoso dos Muse.
Mas ainda mais interessante foi perceber que o público a que se destinava cada um dos dias era totalmente distinto e o resultado da estratégia de elaboração do cartaz totalmente conseguido. Esse é o verdadeiro trabalho de marketeer...

Exemplo ainda mais abrangente quanto à dimensão e reunião de consenso: Europeu de Futebol 2008. Quem me conhece sabe que não vibro particularmente com as emoções do futebol. Nada percebo sobre futebol do ponto de vista estratégico ou dos seus intervenientes. Apenas jogo na perspectiva de dificultar a vida ao adversário recorrendo às mais elaboradas técnicas de... rugby. Mas como não poderia deixar de ser vibro com as emoções de defender a camisola numa causa comum. Atrevo-me a arriscar que eu e mais uns quantos milhões . O cerne da questão e o segredo do sucesso massivo parece-me estar na expressão "causa comum". Trata-se da oportunidade por excelência de todos, quase sem excepção e com maior ou menor grau de participação, nos envolvermos emocionalmente. Como se por um momento na vida concordássemos com as decisões, os gestos, as atitudes, as acções, o objectivo final e disso retirássemos o extraordinário prazer de viver um orgulho comum ou a incontornável angústia de partilhar uma tristeza colectiva, ambos de proporções únicas. A Vida era tão mais simples (provavelmente tão mais aborrecida) se assim fosse com todos os fenómenos sociais...
Pois que se continuem a erguer as bandeiras nas janelas, pois que se continue a partilhar o sofrimento pelas derrotas, pois que se continuem a comemorar efusivamente cada um dos golos e das vitórias. Pois que seja um estado de graça efémero se isso contribuir sem igual para o prazer colectivo...

Apesar de tudo adoro a cidade em que nasci. Ouvia ontem à noite alguém dizer que ironizamos particularmente sempre que dizemos mal do que é Nacional, porque no fundo não cremos que assim seja (ainda que queiramos que possa vir a ser diferente). Trata-se de um hábito latino culturalmente enraizado e evolucionalmente compreensível. Concordo em absoluto. Ponderados pós e contras não deixaria de voltar regularmente ao encanto da cidade de Lisboa. E Lisboa tem muito mais encanto na Noite de Santo António. Porque as tradições se recriam, se renovam, e com isso mostram-se aptas a mobilizar multidões. Percorrer as ruas estreitas e íngremes de Alfama ao som de música que não gosto, de um fumo que abomino, na direcção que a multidão me impõe e na esperança de conseguir uma imperial onde ainda verta parece ter tudo para que não regressasse. Pelo contrário. Vale precisamente pelas expressões de alegria, de felicidade, pelo ambiente simples, humilde, mas extraordinariamente sincero, único, genuíno. Porque ansiamos por momentos como esse, os que teimam em escassear...

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