domingo, 4 de maio de 2008

O Paraíso aqui tão perto...

Roendo uma laranja na falésia
Olhando o mundo azul à minha frente
o rouxinol na redondeza
o calmo improviso no poente

Em baixo fogos trémulos nas tendas
Ao largo as águas brilham como prata
E a brisa vai contando velhas lendas
De porto e baías de piratas

Havia um pessegueiro na ilha
Plantado por um vizir de Odemira
Que dizem por amor se matou novo
Aqui no lugar de Porto Côvo

A lua já desceu sobre esta paz
E reina todo este luzeiro
À volta toda a vida se compra
Enquanto um sargo assa no braseiro

Ao longe a cidadela de um navio
Acende-se no mar como um desejo
Por trás de mim o bafo de estio
Devolve-me à lembrança o Alentejo

Porto Côvo, Rui Veloso

Um destino que renasce e se reinventa a cada nova visita, como se da primeira se tratasse (e com muito mais encanto na pacatez da Primavera ou do Outono...). Com o fascínio, a emoção e a paixão das primeiras vezes. Novamente o experimentar daquele apertar de peito que se sente mas não se explica... Assim é com Porto Côvo. Assim é com o vislumbrar do cenário idílico com que nos deparamos quando percorrida de "cabelos ao vento" a distância que separa Sines do Paraíso.

O encanto está na rebeldia de um mar indomável, na beleza das rochas escarpadas, das falésias imponentes, dos campos verdes de ténue relevo a perder de vista. E simultaneamente no misticismo pitoresco de uma aldeia que sobe resistir ao tempo, renovando a História, recriando estórias e fazendo de uma pequena ilha ao seu largo, de pequenas praias abrigadas, de um pacato porto de abrigo e de uma Praça que na sua reduzida dimensão abraça todo um mundo de emoções e sensações, a sua singela bandeira.

Mais um fim de semana inesquecível. Reservo-me à discrição de partilhar apenas uma das sensações vividas. O plena consumação do pecado da gula, num fim de semana prolongado que se revelou marcadamente gastronómico. Senão vejamos:

- Sabendo que o caminho da costa alentejana e da travessia do Sado tem outro encanto, uma paragem em Setúbal era inevitável. E assim sendo não havia como resistir à tradição do choco frito. E ao gosto inigualável de um robalo escalado que serviu de aperitivo às iguarias do fim de semana. Tempo de siesta no Ferry a caminho de Tróia...

O Sol radiante adivinhava bons dias de ócio no calor reconfortante e energizante da Praia Grande (ainda assim muito pequena perante tantas outras...) e fortes emoções no mar impiedoso,revolto e indomável da Costa Alentejana. Que por sua vez adivinhavam apetite redobrado. Arroz de lingueirão com choco frito no primeiro repasto. Antecedido da imprescindível casquinha de sapateira como entrada. E a que se seguiu as inevitáveis farofas para sobremesa. A juntar ao pudim de requeijão e nozes...

Onde? No inigualável Marquês, é claro. Este Restaurante/ Marisqueira de irrepreensível Imagem e Serviço junta-se à irresistível tríade que geograficamente constitui o mais curto circuito herege em Portugal (pela permanente evocação às heresias da gula), estrategicamente situada na Praça de que falei. A que se junta a pastelaria Marquês, de doces tão conventuais quanto irresistivelmente espirituais, onde o pequeno almoço e o lanche têm outro sabor. E que se completa com o bar Marquês, onde as noites frias de um alentejo Outonal ou Primaveril têm outro significado. Pela lareira, pela decoração rústica, pelo acolhimento, pela sensação de estarmos em casa (o malte e a cigarrilha têm outro sabor quando disfrutados entre amigos...)

Segundo dia: Porque o prazer é feito de excepções, recurso a uma casa alternativa para almoço. Igualmente bem servidos. Salada de Polvo, Ameijoa, Sapateira, num início de tarde regado de imperial...
Hora de jantar, regresso ao Marquês (que saudades!...) Para uns pimentos recheados de atum e sapateira (de entrada). Para uma reconfortante feijoada de búzios. Para um abacaxi extraordinariamente doce (ainda que a intenção fosse ajudar à digestão...).

Terceiro dia: Almoço no Marquês, para não variar. Creme de Marisco, salada de Ovas, Camarão Tigre (pelo prazer que proporciona merece maiúsculas...).
Jantar: No Marquês (já vos falei deste restaurante?). Uma incomparável cataplana de tamboril com ameijoas e gambas. A que se seguiram irresistíveis morangos regados com chocolate quente. Todos os jantares convenientemente regados com vinho branco alentejano. A destacar o da última refeição. Casa de Santa Vitória. O tinto já me tinha sido dado a provar na casa de um grande Amigo. O Branco não fica atrás...

Amanhã é dia de regresso. Ainda que as previsões apontem para um almoço em lugar alternativo depois de uma previsível e desejada manhã de praia onde se queimarão os últimos cartuchos na ânsia de conservar alguma da cor que ainda perdura, resultado do Sol inebriante de Cancun, parece-me que a vontade, mais que o destino, vai acabar por nos conduzir ao Marquês... Porque já falámos avidamente das ostras na chapa, das navalheiras, do bife de atum em molho de tomate, das espetadas de lulas com gambas, de...

Há maior prazer do que o de satisfazer as heresias da Gula em boa companhia num lugar de eleição? Bom, de facto a lascívia inerente ao pecado da luxuria...

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